sexta-feira, 29 de abril de 2011

Párias

Acendes a fogueira
Que não é a bem faceira
De roda e de brincar,
De festa e São João
Mas gélida de agosto,
De ser todo em desgosto
Acesa pra espantar
Baratas e friagem,
Sob hirta e fria laje,
Sob hirta e fria noite
Escassa, de estiagem.
Tão fria que arrepio
Provoca qual açoite
De látego no corpo
Baldio, correntio,
Na trágica orfandade
Dos párias da cidade,
Escravos sem senzala.
Entanto tal fogueira
Dos sem eira nem beira,
De restos que tu catas
De esquinas e lixeiras,
Dissipa chama rala
Que pouca força tem
Ao frio secular
Que vem de tropical
Cidade americana
Enfim subjugar,
Enfim de ti afastar
Os ratos que também
Te correm pelos pés.
Contigo todos comem
Semelhos a novo homem
Que rói a velha lápide
Decrépita e ancestral
Que afunda em lamaçal.
E sob rija laje,
Concreto cru de ultraje,
Se esfria até a vontade
Da pobre mão pedinte,
De ser tornado helminte,
Esmolas suplicar –
Terrível condição,
Gravosa de aleijão,
Que além desta matéria
Te inflige a vil miséria.
Dormir é o que tu queres,
Dormir para esqueceres
A frágil noite e seres
Que habitam estes pântanos
De sapos e elefantes
Comendo a cria infante
Com molho de alcaparras
Em meio a loucas farras,
Enquanto tu escarras
Um rio intolerante
Aos pés de nossas casas.

Um comentário:

Jorge Medeiros disse...

Belíssima! sei que demoro, mas apareço. Grande beijo!