domingo, 2 de fevereiro de 2014

A voz

Quem é esta voz que fala comigo
Nesta tarde sem amada ou amigo?

É algum louco a gritar?
É o canto de Zaratustra

Que me esconjura
De toda a Literatura?

É o corvo a grasnar
Sobre os restos de um altar?

A voz do idólatra e do iconoclasta,
Uma noite repleta de fantasmas,

Aquele louco alvedrio
Que levou Hamlet ao assassínio?

O gênio, a musa ou Mefistófeles
Nesta tarde sem fé, esperança ou padre,

Ou o canto do meu peito
Quando me encaro num espelho?

Meu corpo confrange-se. Salto da cama
A pressintir todos os desastres,

Corpos que se lançam em chamas
A encarar a face da insânia,

A barca sem Caronte
Para nos atravessar o Estige e o Aqueronte,

Abutres a bicar-nos acorrentados
A sombras e cáucasos,

Tântalo a beber um rio atro
Que escorre da nossa fome.

De pé, grito no breu
Do meu quarto:

Meu Deus!
E a voz enfim responde:

Meu deus, meu deus, meu deus
E some...