quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Amigo íntimo

Satã é nosso amigo mais íntimo,
Loucura a nos prender sempre lúcidos,
Verdade aos nossos olhos translúcidos.

Satã é meu amigo mais íntimo,
A faca do estripador londrino
Na carne de meus irmãos e primos.

O prazer, o terror e a agonia,
Chaga a intumescer o nosso dia,
Totem erguido sobre as ruínas

De rotas bandeiras e doutrinas,
Da fé que levou ao assassínio
E à travessia do peregrino.

Ó rei das coisas subterrâneas,
Das misérias humanas e insânias,
És mão que nos lança aos precipícios.

Inspiraste os profetas de Tages,
Arúspices e a mente dos sages,
És o vinho e a sidra dos abades.

Te lançaste do centro de Théia
Para dentro do planeta Terra,
Lua dos infamantes e feras,

Basalto a erigir a crosta e as eras,
Aquilo que dizem ser o inferno
Mas que é vida, ouro, magma e ferro.

Pai dos nômades e dos covardes,
Em tudo teu ardor nos queima e arde,
És nossa ciência, paixão e arte.

Berço em que células e estruturas
Engendram-nos vontades escuras
Que sentimos por coisas escusas.

E mesmo privado de hino e de culto,
Sobrevives nas odes mais puras,
Na fúria e no desejo insepulto.

Pois ainda ouvimos o sibilo
Que ecoa do nosso desatino,
Do mestre francês, do alexandrino.

Porque não escutas os incultos
E fazes que o sexo das putas
Nos libere de toda a recusa

E que as santas no altar das capelas
Jamais aparentem ser mais puras
Do que a febre e o cio das cadelas.


domingo, 4 de junho de 2017

O caso Steve Bartman

É preciso perdoar
Steve Bartman,
Pois ele não fez
Nada de errado.

É preciso perdoá-lo,
Pois até Cristo
Perdoou crucificado,
E Bill Buckner
Mesmo depois
De ter errado
Pelos fãs do Red Sox.

É preciso enviar-lhe
Nossos mais sinceros
Pedidos de desculpas
Por termos sidos
Gente tão hipócrita
E estúpida.

É preciso que
Moisés Allou
Peça-lhe desculpas
Pois vivemos hoje
Todos com vergonha
E nus.

É preciso pedir perdão
A ele por tê-lo tornado
O homem mais desprezado,
Por tê-lo transformado
De todo o mundo
O homem mais solitário,

Por termos querido
Linchá-lo
Apenas porque
Esticou o seu braço
Como tantos outros
Ao seu lado.

Ó, pobre carneiro,
Sobre o qual
Lançamos
Todo o nosso ódio
E desespero.

É preciso que todos
Que o chamaram
De idiota
Por fazer
Aquilo que
Nos ensinaram fazer
Peçam-lhe desculpas
Pois a culpa
Não foi sua
Pela derrota.

É preciso que
Todos os jogadores
Do Miami Marlins
Peçam-lhe desculpas
Por terem vencido
Um jogo que deveriam
Ter perdido,

Tornando um gesto
Anônimo e óbvio
Em vergonha,
Tristeza,
Infâmia
E opróbrio.

É preciso perdoar
Steve Bartman
Recebê-lo
Com presentes
E afagos
No Wiringley Field
E deixar que volte
Para Chicago.

É preciso perdoá-lo,
Pois senão
Nossos corações
Sempre estarão
Agitados,
Corroídos
À procura
Daquele
Em quem jamais
Deveríamos
Ter cuspido
Ou xingado.

Quem não pegaria
Aquela bola?
Não foi isso
Que nos ensinaram
Na escola?

É preciso perdoar
Steve Bartmam,
Pois ele não é
Nenhum renegado,
Senão seríamos
Todos, como ele,
Culpados
Para sempre
Por nossos atos
Mais singelos.

É preciso perdoar
Steve Bartman
Porque, sobretudo,
Perdoá-lo
É perdoar-nos
Por sermos
Em tudo
Tão cruéis
E severos.

Mas talvez
Steve, triste
E só,
Queira apenas
Que o esqueçam
De uma vez...

E talvez
Não precise
De nenhum perdão
E já tenha esquecido
De qualquer
Acusação

E como
Esfaimado
Lobo ou leão
Tenha devorado
Todo xingamento
E culpa
Que algum dia
Lhe aprisionaram
O ser e o pensamento,

Pois talvez
Steve Bartman
Nem seja mais
Steve Bartman,

Talvez tenha esquecido
O dor de outrora
E chame-se agora
Carl Birthman.

Talvez seja outro,
Renascido,
Criança sem culpa
Que corre
E gosta
De apanhar
Com a sua luva
Todas as bolas.




domingo, 29 de janeiro de 2017

Poeta lógico

Há lógica
Na lógica
Do poeta?

Sim, por certo,
Como há lógica
No vôo de um pássaro,
Mas não como há lógica
No vôo de um jato.

Como há lógica
No pulo do gato,
Nas flores que nascem
No meio do mato,
No beijo, no ato, no cacto,
Porque a poesia
Não é um jogo de dados
Nem cláusula de contrato.

Há lógica
Na lógica do poema
Como há na pena
Ou no chilro
Da ave que gorjeia,
Como no vôo da abelha
Ou no adejo,
De flor em flor,
Da borboleta,

E, então, traduzi-la
Em metáfora,
Em palavra,
Em som,
Em letra,
Em mar...

Há tanta lógica
No poema
Quanto há na borboleta,
Em vê-la
E imaginá-la,
Em sonhá-la
E escrevê-la
Depois de vivê-la,

Suas asas, cores
E antenas
Em palavras
E lógica
Que nos transmitam
Todo o apuro
E leveza
Do que acertaram chamar
De beleza.

Que o poema
Seja lógico,
Não como um relógio
Ou um edifício,
Mas como jóia,
Luz pela clarabóia
A iluminar-lhe
O corpo físico.

Que o poema
Não pareça
Frio construto
E seus fins,
Mas fruto
Cujo fim
Seja não ter
Qualquer fim,
Senão aquele
Que faça sentido
Para mim,

Senão aquele
Que, não sendo prévio,
Seja de fato
Meu olhar
Sobre os pássaros,
Cactos, prédios
E o mar...