quarta-feira, 17 de março de 2010

Adamastor




















A tua dor, do que ela é feita?
De escarpa, barba, sal e lágrima,
De pedra e mar em promontório
Alcantilado, mudo abismo
Feito de vales e penhascos
Que o choro pejo vertem no eco.
Aterrador é o teu aspecto
De ancião – velho desprezado,
E ninguém diz que um dia foste
Amante alegre e desejado.
Um capitão que guerra fez
Mais pelo amor que pela guerra,
Porque a batalha que te aferra
Não é por glória, nem por fama,
Não é por África ou Arábia,
Mas a que faz os corações
Serem tachados de ignaros;
Mas a que faz os corações
Pra trás deixarem toda a frota,
Pra trás deixarem toda a tropa
Em mar cortado por trovões
Que vêm dos céus e dos canhões,
Aquela mesma que te fez
Em promontório converter-te.
Foi a paixão por nua ninfa,
Foi a paixão que a sorte mísera
Contradição impôs a ti
Por muito amar e o mar deixar.
Tão puro amor por nua ninfa
Te fez penhasco, um promontório,
Tão fero amor por nua ninfa,
Mais que titã, te fez um homem,
Um ser de rocha, em carne tesa,
Em tensa carne belicosa,
Intensa carne desejosa
A revelar-te a louca fera,
O fero amor que por ser puro
Precipitou teu ser titânico
Contra ti mesmo, imenso monstro,
Ávida carne, à enorme penha,
Brutal amor, em pura pedra...
E se hoje incrível dor naufraga,
Em tormentosas tempestades,
Vetustas naus e novas naves
É só por ti que elas afundam
Em novos casos de naufrágios,
É só por ti, imensamente,
Que de cidades inundadas,
Partem repletas de indivíduos
Que amor não têm, mas que uma dor
Inexplicável, sem razão
Oprime peitos tão civis,
Que mesmo assim cismam doer
Sem promontório e sem esquadra.

Vitrines




Demente
Silente
Nem sentes
Que mentes
Pra ti.
Sequer
Ressentes
Ao ter
Que à mente
Ludíbiro
Impor
De quem,
Semente,
Se mente,
Contente
Com isso;
De alguém
Que mente
Premente
Querendo
Tão ávido
Mais luxo,
Debuxo
De bruxo
Da cor,
Do talhe,
Do corte,
Do molde
Esguio,
Esbelto –
Reclamo
Vendido,
Mentido
Modelo
De ti:
Vitrines!
É que
Mentir
Te deixa
Ausente
De ti,
Da dor
Do ser
No eterno
Devir.
É que
Mentir
Te traz
Alívio
De não
Saber-te
Semente
Florente
No rente
De um chão
Que não
Se sente,
Se mente,
Nem mente
Semente,
Somente
Te brota,
Te rompe,
Te enruga
E faz-te
Arbúsculo
De músculo
Morrente.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Soneto do avião
















Tão refulgente por estes espaços,
Luminoso aerólito, avião,
Vai cruzando janelas e terraços
De um céu azul sem nuvem ou senão,

Pluma com toneladas de fio e aço
Que, leve, leva em si tanta vanglória,
Não há ninguém que o alcance, nenhum traço
Que o desvie de sua trajetória,

Senão quem inaugura a própria história
Rasgando os corações de conjunturas
Repletas de terror e sepulturas,

Ao som de uma feroz jaculatória,
Homem que encheu os céus de precipícios
E de horizontes sub-reptícios.