domingo, 19 de dezembro de 2010

Texto

Transitas tonto,
Febril e mudo
Num dia grávido
De ardor e pressa.
És nau sem mastros
Dos vãos e ruas
De esquina e beco
No oblíquo muro
Que torna tudo
Um texto em braile,
Um caos de casas
Em mil vielas
Também caóticas,
Estranho texto
De origem bárbara
E lido só
Por quem habita
As tais vielas,
Os tais casebres
Que, em meio à rixa,
Disputa e socos,
Procuras sempre,
Acerca deles,
Tal qual filólogo,
Tal qual legista
Baixar juízo
Que acalme angústia
De quem não lê
Esquiva língua
De corpo vivo,
Feroz, barroco.

Portanto, lê-lo
Num breu terrível,
Cruzar seus lares
E tantos mares,
Sem mastro ou lentes,
Te deixa assim,
Tão só, perdido,
Sem luz, no muro
Atrás de porto,
Verbete ou livro
Que te traduzam
Tecido raro.
Porém, encontras
Fuligem densa
E vil desordem,
Estranha língua,
Bravio corpo
Que só entendes
No teu silêncio
De noite e eco,
Perdido algures.

O que desejas
É tão somente
Rossio calmo,
Profundo e largo,
Em que tu possas
Achar abrigo,
Remanso tênue
De estio e noite
Que o fero pego
Converta enfim
Em rasa poça,
Mar seco e manso –
Cidade, língua
E um corpo lasso,
Que te revelem
Ser que reluz:
Canto e amavio.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Esfinge





















Cofre mudo de aço e espelho,
Quem irá te interpretar
Os códigos e os segredos?
Refletes prédios e carros,
Árvores, gentes e cúpulas,
Mas quem pode ser o espelho
Do espelho em si refletido?
A que Édipo te propões,
Se não há quem te refrate
Nesta manhã tropical?
Se não há quem te decifre
Nesta cidade de enigmas
A refletirem-se em ti?
Tua estrutura de vidro,
De aço e de viga em espaço
Exposto à luz litorânea,
Sobre corpos quase nus,
Não revela teus segredos,
Não revela qualquer vão,
Tua hermética nudez,
Nem descuido de janela
Descerrada por acaso
A ferir a geometria
Regular de tuas linhas.
Apenas à noite deixas
Entrever teus escritórios,
Uns parcos interiores
Já de cripta e desertos,
Sem as gentes que de dia
Tu enclausuras com mistérios
Invioláveis aos de dentro
E aos de fora amalgamados
Pela forma e arquitetura
Especular do edifício
A representar a efígie
Pelas estradas e escadas
De nossa vida diária.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Casamento






















Meu casamento
É como o vento;
Soprou faceiro
Levou as folhas
Da solidão
Que neste pátio
Do ser no escuro
Se acumulavam
E bichos davam...
Me trouxe então
Um roseiral
De um altiplano
Americano
De rosas cheio
Que pouso fez
Nos átrios meus
Pra florescer
No alvorecer
De claro dia
Ao himeneu
Do nosso amor.
Não há mais bichos,
Não há mais ursos
Que após o sono
Despertam sós.
Mas passarada
Que canta assim:
“Casar é bom
Com quem amamos,
Pois traz um dia
Alvissareiro
Que só promete
Fortuna e sorte”.
Então feliz
Eu saio ao pátio
Co’a tua mão
Na minha mão
Pra contemplar
A ação do vento
Que as folhas secas,
Sem direção,
Pra longe as leva,
Bem como aos poucos
O roseiral
Vai desfolhando,
Até deixá-lo
Desnudo a um céu
Que nos contempla
Indiferente.
E vem a noite
E agora nus
Nos recolhemos
Enfim sabendo
Que a condição
Do ser no mundo
É a da falta,
É a do pátio
Sem roseiral;
Por isso, vem,
Do pátio nua
Amar-me mais
Se inda puderes!