sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Os pombos e o homem




















Os pombos da Praça XV
Não se parecem com pombos,
Não se parecem co’as aves,
Co’os próprios da sua espécie.
Os pombos da Praça XV
Se parecem mais co’as gentes
Quem vão e vêm pela Praça.
Ou quiçá sejam as gentes
Que com eles se pareçam,
Já que também pela Praça
Vão e vêm seguindo rotas
Como as aves migratórias.
Pois quem será mais antigo:
O homem enfadado da Praça,
Ou a ave cansada de céu?
Não sei! Pombo, gente, pombo
Que vão e vêm pela Praça
Se imiscuem, se confundem
A tal ponto que não notam
Um e outro nesta labuta
Diária por alimento
Nas filas, vias e dutos
Por onde passam e ficam
Às vezes, homem e pombo
Aves, gentes e indigentes,
Quietos, e lado a lado,
Protegendo-se da chuva,
Debaixo do viaduto,
Que rasga a Praça concreto.

O pombo, o homem, a praça
E os mendigos esfaimados,
Debaixo do viaduto,
Cruzam-me sempre o trajeto.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O mar e o rochedo















I

Quando algo se parte entre nós,
Bem sei.
As marés em ti convulsionam-se
Teus continentes estremecem,
Obrigando a imensa
População de teus sentimentos
A fugirem desesperados
Para todos os recantos do teu corpo.
É então que,
Como se algo de ti perdesses,
Como se algo em ti partisse,
Precipitando-se escada abaixo,
Choras francamente.
As lágrimas rolam simultâneas,
Lado a lado, de teus olhos,
A lembrar o que éramos,
Nas faces límpidas de um rosto.
Quando algo em ti se parte,
De imediato, sei,
Pois todo teu corpo delata-te,
Fica qual pregoeiro
Anunciando tua viuvez.


II

Quando algo em mim se parte,
Não há aparência
De nenhum mar que se revolta.
A rocha cede apenas
Um pouco mais de seu material,
Ante a outra onda procurando
Praia serena para espumar-se,
E a velhice reduz-me a sombra
Sob o sol inexorável dos dias.
Quando algo em mim se parte,
Apenas sentes,
Sonhas o que a consciência
Sussurrou-te antes do sono:
Silêncio de abismo,
Filosofia sem objeto,
Uma árvore desfolhando-se em prados desconhecidos.


III

Quando enfim o que pensamos em nós
Ser ouro e diamante partir-se e partir,
Talvez tu, de tanto expor-me
Os restos daquela que conheci,
Sejas outra, nova,
Desconhecida pisando nua
Sobre cacos do que sonhara para si,
Sem nada mais sentir,
Deixando-me apenas
Tuas marés e a rocha nua
Feita em incontáveis pedaços.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Desespero
























O desespero de vidas vazias.
Quanto tempo se passou
Até que chegássemos aqui?
Todos os caminhos
Tornaram-se terríveis,
Monstruosas quimeras
Prontas a nos devorar
Com a boca desdentada de fábulas.

O desespero de vidas vazias.
Alguém está sempre
Prestes a cair, a tombar
Num asfalto em chamas
Após um dia tórrido, hórrido,
Repletos de cacos desesperados,
De homens já no bagaço
Na volta para casa.

O desespero de vidas vazias,
O alarido das discussões
Ao telefone, a verborragia
Muda em frente ao pc,
As caras não se transmudam
Iluminadas por tantas luzes?
O corpo quer transigir,
Mas só encontra o que secreta.

O desespero, os morteiros,
O corpo é pequeno demais,
Mas teima em sentir,
Para logo calar, e como cala
Todo um país em chamas,
O que desejou tanto sentir,
Porque agora só há a profusão,
Profissão e tecnicismo.

Olha as cartas, os e-mails,
Uns queimamos, outros
Apagamos com um simples
Toque, tudo tão fácil
Como lavar as mãos
Antes da refeição,
Como lavrar a vida
Repartida e burocrática.

Onde foi que nos perdemos?
O desespero de vidas vazias
Com água encanada,
Com carro na garagem,
Com bate-papo na internet,
Com tv a cabo e comprimidos,
Num labirinto secular
De programas e utensílios.

Toda a ameaça para fora
Dos muros da cidade,
Mas não há muros!
Para fora dos portões,
Que hoje são só um monumento.
Para fora de nós mesmos,
Mas não há mais nenhuma alcatéia
E é narciso quem nos mata.

Se alguns atiram e matam,
Nós calamos, os olhos
Se fecham para o sono dos justos,
Mas todos delinqüimos
E acusam-nos disso padres e profetas.
Ainda há beleza em salvar-se
Num mundo sem salvação?
Ainda há beleza? Deleite?

O desespero, e ele é mudo!
As fábricas funcionam, regulares,
Como os maridos em suas camas.
Os prostíbulos apinhados
Funcionam regulares
Como as missas nos altares.
A tarde se oferece sangüínea,
Venenosa e sem alarde...

O desespero, e ele é mudo!
Fauces abertas sobre todos,
A verdade nos calcina!
E a mentira chega lívida em aspirinas.
As hipóteses trêmulas naufragam
Sob o peso incomensurável do silêncio
E da inorgânica acidez da chuva
Desabando intransigente sobre a terra.

O desespero, e ele é mudo!
O destino das mãos se conflagra.
Na esteira das cifras
Os olhos se cifram diante
De apólices, títulos e debêntures
E o resto do corpo não decifra
O que em si segue inominado,
Inominável sob o peso do mercado.

O desespero de que tudo já foi
E não há nada mais a dizer.
O desespero de que não aprendemos,
Que desaprendemos e que queima
Inutilmente em nosso peito
Toda a biblioteca de Alexandria.
O ancião morto me disse:
“Os homens se matam feito percevejos.”

Mas eu calei, mas eu sangrei
Vendo aquela flor de asfalto
Irrompendo-me os nervos e os versos.
O desespero me silenciou,
Depurou-me o próprio silêncio,
Enquanto meu filho vai nascer
Nesta cidade de bruxas e elefantes,
O filho, o filho que vou ter, infante...

O desespero, e ele é mudo!
Tantas vozes e nenhuma
É nossa, a cidade nos abafa
Com alarido e promessa de prazer.
E sob dióxida atmosfera,
Nos quedamos sem saber
Que toda a estrutura provém
Da agonia dos céus de outrora.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Fuga
















Ah, eu queria apenas
Uma exígua porção
Da rara antimatéria
Capaz de devastar
Todo o bairro onde moro,
E a excelsa espaçonave
Lançá-la nos confins
Do espaço sideral.

Partículas tão raras
Presentes nos primórdios
Da nossa formação,
Imagem especular
Do que não nos tornamos,
Matéria negativa
Que enfim se consumiu
Em luz e em energia.

Ah, eu queria apenas
Atingir os limites
Deste imenso universo
Finito, mas sem margens,
Contemplar enlevado
A máquina do mundo,
A primordialidade
De seu funcionamento.

Ah, eu queria apenas
Ver todas as estrelas
Que nascem lá nas Nuvens
De Magalhães, pilares
De outros mundos e sóis.
Contemplar as moléculas
Chocando-se entre si
Em espirais sem fim.

Canópus e Capela,
Vega, Rigel e Prócion,
Poláris e Altair,
Aldebaran e Pólux,
Betelgeuse, Castor,
Sírius e Belatrix,
Dossel de astros que apontam
De Cão a Ursa Menor.

Ver todas as estrelas
Verrumando nos céus
Noturnos das cidades
Que também se iluminam
De luzes e néon
Nas ruas e avenidas
Em que os homens se perdem
Feito estrelas cadentes.

A mim basta só isso.
Da deusa não preciso,
Nem de revelação
Na estrada pedregosa
Daquele ancião de Minas.
A mim basta só isso:
A energia que possa
Lançar-me neste espaço.

Porque a realidade
Não é um teorema,
Nem clara se desvenda
Em rápido relance,
Nem a reinos nos chama,
Porque já estamos nela
Sem sequer se importar
Se a queremos ou não.

Oh, este mundo! Sim
É possível medi-lo,
Entender seus princípios,
A origem e o destino
Do que nos concebeu:
A primeva matéria,
Ínfima e subatômica –
Os quarks e antiquarks,

Matéria e antimatéria
No espaço colidindo,
Gerando mais partículas
No caos das incertezas
Que fez as quatro forças
Então se separarem
E enfim impulsionarem
A máquina do mundo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Deuses





















Se existe um deus
Que se interessa
Por tanta gente,
De certo é o sol

Com seu calor,
Feixe de fótons
De labaredas
Por vasto céu.

Se existe um deus
Ínclito e forte,
Só pode ser
Alfa Centauro,

A Betelgeuse,
Gigante prestes
A desabar
Sobre si mesma,

Cisne X-1
Ou os pulsáres
Como faróis
A irradiarem

Raios letais
Por todo o espaço;
Ou os quasáres
A propagarem

Luz e matéria
Pelo infinito;
Ou os severos
Buracos negros

A devorarem
A própria luz
Que me ilumina
Do firmamento.

Se existe um deus,
Só pode ser
As centilhões
De estrelas vivas

Que vão morrer
Numa explosão
De gás e pó,
Matéria à vida

À formação
De novos sóis
E novas terras,
Ao chão e ao berço

De mais espécies
Que indagarão
Se não surgimos
Do pó de estrelas.

Deuses que não
Protegem, cuidam,
Que não se alegram
Com quem formaram,

Que não te julgam
Por não ter fé,
Tão pouco amor
A Deus e ao próximo,

Porque são gases,
São reações
Que geram luz,
Toda energia

Que faz do solo
Nascer o trigo
E o pasto ao gado,
Enquanto rezas,

Enquanto pedes
Sem perceberes
Que a vastidão
Não tem memória

Não tem vontade,
Sequer um plano
Diverso disto:
Do que formou

E destruiu
Pela entropia,
Por tantas vezes,
Teu firmamento.

Por isso, eu peço,
Aos deuses, rogo:
- Vem, contra mim,
Ó imensa Andrômeda,

Chocar-se toda
Devoradora
E canibal
Para formar

Do caos, a lei,
Novas galáxias
E aglomerados
De leite e luz.