sábado, 29 de janeiro de 2011

Mitologias

Atropelados
Por tanto pressa
Foi nosso amor,
Foi nossa dor

Nas vastas vias
Congestionadas
De estreitas gentes
Em amargor

Nas mãos de Chronos
E devorando
Os próprios filhos,
Mitologias,

Enquanto guiam,
Entre Tifeus,
Titãs e cérberos
E vãs certezas,

Os próprios carros,
Os próprios medos
De sós ficarem
Sem posto ou carro,

Sem cargo ou farra,
Paralisadas
E engarrafadas
Nos vãos, semáforos

De uma avenida
Que só conduz
A inútil pressa
De quem perdeu

Há muito tempo
As mãos e o véu,
Úbere céu
Que nos atavam.

E agora assim
Sem nada mais
Que nos vincule
Sem canto ou messe

Para cantar,
Para ceifar
E que traduzam
Feroz vertigem,

Qualquer verdade,
Perdida herdade
Que nos acolha,
E nos recolha

De frio chão,
Procuro em vão
Por nós, velames,
Por quilha e amarras,

Velhas canções,
Arras, camões,
Canhões, guitarras
Num peito arcano

Que mesmo só
Sem vela e insano
Na estrada imensa
Insiste e canta.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Ferocidade

Revela teu ódio
Nas grutas acústicas
De um peito ecoando
A dor da cascata
Sem fim desabando,
Mordendo na pedra
A própria desdita.
Vá! roto e precário
De tal desmazelo
Do choque imprevisto
Do escarro na esquina
Dos olhos cruéis
Que fazem tua cara
Cartaz luminoso,
Falácia venal,
Um palco de socos,
De chutes e murros,
De fera disputa
Por álcool e remédios,
Por roupa e alimento,
Por fogo e prazer
Nas sendas soturnas
Da grande cidade
Que encolhe miúdo
Teu corpo tão frágil
À sombra terrível
De atrozes gigantes.
“E agora, José?”
Cadê tua fala
Cadê teu discurso,
Teus pobres excursos
Qual asa ignota –
Voluta partida
Sem haste ou coluna?
Teu peito se ufana,
Mas pobre se infarta
Do que te enfatua,
Do que te enlouquece,
E logo enfastia,
Inútil cosmético,
Inútil doença...
Não tem mais a vida
Aquela beleza
Sensível das musas,
Das frágeis heróidas,
Carnívora flora!
E o que te envilece
É a penha estourada,
Floresta arrasada
Em ávido empório,
É a carne doméstica
À vida selvagem
Dos homens polidos
Jogada de súbito
Sem único aviso.
Por isso, velhaco,
Te fazes feroz
Entre hienas noturnas,
Felinos rapaces,
Que as presas espreitam
Ou sobras de açougues
Disputam famintas
Deixadas por feras
Maiores após
De todo fartarem-se.
Mas se nem entre hienas
Tu podes viver
Ou nem co’os chacais
Tu podes comer
De casca e couraça,
Então te revestes
Tal qual um tatu
Metido na toca
De um alto edifício
Com ratos e cobras.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Manhattan Tower














Manhattan Tower, 89,
Tu te ergues
Poderoso e colossal
Da Avenida Rio Branco
Ante súditos de asfalto e carne,
De cimento e aço.
Templo de gravatas e sapatos,
De pastas e investimentos,
É em ti que acionistas
E investidores divertem-se
Disputando cifras,
Em meio às oscilações do mercado,
Vaticinando lucros,
Diante das taxas de juros
Do FED e dos BCs,
Depreciando mercados
E economias,
Ante os humores cambiais,
A despeito de fé, crença
Ou de qualquer drama familiar,
Enquanto compramos
O sagrado pão de cada dia.
Tu, que não és um,
Que não és único
Mas inumerável
Mundo afora,
Geração fustigada pelo vento,
Fragas que se atiram contra os céus,
Clarão envidraçado
De aço e de alumínio
A refletir,
Em mil centelhas,
A luz ligeira
De Xangai, Taipei,
Chicago, Kuala Lumpur,
Hong Kong e Nova Iorque,
Burj Khalifa, Willis Tower,
Taipei 101, Petronas Towers,
Central Plaza,
Empire State Building,
Titã coruscante,
Contemplas vítreo e concreto
Teu irmão
De ponteiros e horas indecifráveis
Em direção ao qual, da Avenida,
Todos os olhos se lançam
Aflitos ou indiferentes.
Irmão que, por sua vez,
Encara firme e altivo
O pai cansado de exploração
A contemplar mudo
Os detritos da baía,
A fração inumana das gentes
Pelas ruas e becos...
Ó Irmãos ingentes,
Filhos de um gigante –
Ó Família excelsa
De concreto e laje,
Há carne imunda e fétida
Que se espreme, em vão,
Sob tuas marquises
Contra o frio e a chuva
De teus prognósticos,
Enquanto de vós,
Bem protegidas,
Retinas assustadas
Buscam saudosas
As Torres de outrora,
Consolam-se
Entre álcool e aspirinas,
Em meio a céus
Rasgados de gritos
E WTCs,
De precipícios
E cimitarras chamejantes,
Enquanto buzinas e sirenes
Vaticinam pavores,
Sinistros augúrios
Avenida afora;
Consolam-se,
Entre destroços
De um firmamento estilhaçado,
Com aqueles antigos versos
Que diziam:
“Porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan...”
Enquanto o tráfego e a baía
Refletem ardis
E o mudo perigo que espreita.