segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Escrever

Escrever poesia
Como quem escreve
Um livro tombo,
Ter olho pra tudo,
Pra quem corre certeiro
Ou toma um tombo.
Ter olho pra tudo,
Até mesmo pro pombo.

Escrever poesia
Como quem chora
Ou se devora
Louco sem deus ou memória,
Culto de súplica e prece
Sem pai, pão ou perdão,
De quem não vive sem pressa
E só crê e obedece
Ao rito livro das horas
De um herege.

Escrever poesia
Onde nada é imorredouro
E tudo é sujo, sujo, sujo
Como um matadouro
Mundo imundo,
Sorvedouro.

Anotar todo nome
E a garatuja suja,
Vasto palavrório
Inútil
E o palavrão
Sempre útil
Na rua ou no escritório
Da massa inconsútil
Comedida e comezinha.

Escrever poesia,
Todo o logradouro
Ilustre ou anônimo
De gente, topônimo,
Escol, escória
Que aparece e some
Cadente
Neste livro de ouro.

Escrever poesia
Em confronto
Com um dia e breviário
De fadiga e soluço
Que nos varam, translúcidos,
Com a luz dos semáforos;
Que só nos querem lúcidos
E sempre prontos
Para labuta
E o livro de ponto.

Escrever poesia
Para gente perdida,
Sem porto ou caminho,
Homens tortos,
Dos descaminhos
Para quem não há
Guia ou oração,
Via ou confissão,
Exorcismo ou escaninho,
Nenhum livro
Seja dos vivos,
Seja dos mortos.

Escrever poesia
No meio da rua
Sentindo no estômago
Queimação, azia,
Trazendo no peito
Crônico,
Ânsia, taquicardia
E a aflição
De quem fala, fala, fala
Sem ninguém
Que lhe ouça a voz e o pleito,
De quem cansa e se cala
Na multidão.

Escrever poesia,
Códice, gravura,
Xingamento e mesura,
Pergaminho no estojo,
Página e rolo
De náusea e de nojo.