terça-feira, 13 de maio de 2014

Quando destruíram a General Pedra

Quando destruíram a General Pedra
Nunca mais pude comprar.
Não havia mais secos e molhados.

De certo, virou pedra, cascalho
Para algum aterro,
Fez crescer ainda mais o nosso erro.

As águas rolavam límpidas, cristalinas
Pelos canais do aqueduto.
Hoje enegreceram
Tornaram-se um rio escuro e difícil
De pontes, estradas e viadutos.

Da Rua do Ouvidor ia-se ao Leblon
Colher camélias no quilombo
E na chácara do Seixas,
Flores que enfeitavam
O vestido das princesas
E a lapela dos barões.

Havia Carlos Cachaça
E sua menina
O Observatório Nacional
Da onde víamos
A estrela vespertina
E Einstein refletia
Na astrofísica.

Havia a feira livre da Lapa,
A praia de Benfica,
E do Russell,
A da piaçaba
E da Maria Angu,
O gol de Clavert
No primeiro Fla Flu.

Ó Rio de Janeiro,
És meu espanto e gozo!
O desespero
Dos que morreram de tifo
No calabouço,
Os mortos do Rebouças,
O passeio, a viração e o riso
No Palácio do príncipe mourisco,
A fé nos sinos
E na roleta dos cassinos.

Ó cidade totêmica,
Cresces e te reproduzes
Endêmica,
Proscreves minhas prescritas memórias,
Lanças-me
Ao esquecimento e à glória.
És muitas e sempre a mesma,
Trama e sistema
A engendrar a História
E a erigir meu poema
Como teu totem e apostema.

Ah, nada sobrou
Das praias que desenhavam
E te defendiam o litoral!
Nada sobrou
Do antigo Senado Federal!
Nada da Casa Martinelli
E do Mercado Municipal!
Tudo abaixo pela febre
Americana por carros!

Ah, mas dentre todas,
És a mais bela,
Sempre serás a capital federal!

Laura Alvim vestia-se
Com o mais fino pano e cetim,
Para ver o Zepelim,
Deixava, no pátio de sua casa,
Que os vendedores
De pipoca e amendoim
Guardassem as carrocinhas,
Enquanto Santos Dumont
Apitava partidas de tênis
No Clube do Fluminense.

Íamos felizes
Em dias solarengos
Ao Cricket Club
Torcer para o Flamengo.

Terra amistosa
De sambistas e malandros,
De pretos velhos e Normandos
Sem esses vândalos
Que hoje andam como loucos,
Matando e roubando
Aos bandos.

A Senhora Santos Lobo
Tornou-se memória, parque, ruína
De fotos, festas e flashes,
De damas e valetes,
De lobos e rapinas.

Tomava-se o expresso da Gávea
Na esquina da Rua do Ouvidor
Com a Gonçalves Dias
Passava-se pela São Joaquim
Até a Rua São Vicente
E o Largo das Três Vendas.

Ia-se do centro à Ponte Táboas
Em apenas uma hora.
Hoje engarrafo na Voluntários
Num bonde repleto de mágoas.

Derrubaram a praça onze!
Tinham razão Herivelto e Grande Otelo.
Nem passeamos mais
À sombra do Castelo.
Empreiteiros e burocratas
Puseram tudo abaixo
Até a casa da Ciata.

Hoje são longas as horas
Até o Largo da Memória
E quando lá desço
Sinto-me como o Chafariz de Montigny,
Sem o Largo do Rocio,
Estrangeiro, abissínio
No frio tropical do seu desterro.