sábado, 28 de abril de 2012

Velho tema

Ao meu filho


Não sei se seguro
Areia ou figura.
Não sei se teus braços
Terei sempre assim:
Abertos, erguidos
Pedindo-me um abraço.
Não sei até quando
Terás no teu rosto
A frágil candura
Que o tempo desnuda,
Arranca e fratura.
Tormentas se formam
E agravam meu medo
De cedo perder-te,
De ver-te tragado
Por frio lajedo,
De ver-te levado
De mim, indefeso,
Tão súbito e quedo.
E embora te veja
Brincando e saltando
As ondas e a espuma
Que beijam teus pés,
Eu sinto, aziago,
As noite e brumas
Que logo virão,
Eu sinto pressagos
Os corpos de agora,
Que logo teremos
O mesmo destino
Das vidas de outrora.
Por isso não sei
Se areia ou figura
Seguro não mãos,
Por quais desventuras
Enfim passarei,
Por quantos extremos
Nós dois passaremos,
Se a paz do teu riso
Com que me jubilo
Será sempre um hino
Tangendo meus dias.
Por isso não sei
Se todo o meu zelo
Não passa de apelo
Que não vai deter
Teus louros cabelos,
O rosto e a figura
Da vã carnadura
Dos nossos momentos.
És folhas ao vento!
A imagem no espelho
Na qual deixarei
Meu lábio, meu beijo,
O fundo desejo
De em mim te reter,
Teimando suster,
Quimera, loucura,
A areia e a figura
Que eu hoje seguro.

sábado, 7 de abril de 2012

De volta para casa

I

Bocas desmaiadas,
De sono escancaradas,
Viajam de volta para casa
Avenida afora,

Enquanto
Cabeças pendidas,
Em sonolência contrita,
Dormem o sono dos justos,

Nessa hora
Que se prolonga
E devora
O resto do dia
E das horas.

II

Vogam,
Em meio a lixos
E detritos,
Antigos destroços
De outrora;

De viagens,
Tratados, ilhas
E tordesilhas,
De tantas linhas,
Faixas, buzinas e sirenes
Dos que voltam para casa
Infrenes e sem leme.

Vogam
Tiros,
Gritos e vozes
Em meio ao martírio
De quem morre anônimo
Sem nunca ter lutado
Contra mouros ou assírios.

Vogam
Santas cruzes
E arcabuzes
A perpetrarem
O vilipêndio
De missas
Estandartes,
E incêndios,
Dos massacres
Que catalogam
A cidade.

III

Tudo que é perene
É só mais uma forma
Do provisório
Neste empório
Que é a história.

Por isto este mar,
Há muito seco,
Embora infindo,
Que guarda seus ecos
E os endereços
Marítimos ou citadinos
De tantos vascos,
Marcos, pólos e gamas,
Zhengs, vicentes,
Pessanhas, janszs,
Mendonças, lischontens,
Nunes, nunos e homens,
Sem glória e sucesso
Que voltam para casa
De mares, bares e azares.

Por isto este mar,
De quem
Não conseguiu regressar
E que hoje,
Sem canto ou narrativa,
Retorna para casa,
À deriva,
Em meio a vagas
Que aportam,
Em chamas,
As frotas soçobradas,

Lâmina
Que aflige e inflige
A chaga escusa,
Ibero-americana,
De toda uma raça chacinada,

Os becos e logradouros
De ocaso,
Esquecimento e atraso
Que não encontram
Escoadouro.


Poema modificado após ler o belíssimo "Um dia quebrarei alguns ventos do norte".