sexta-feira, 14 de março de 2025

Soneto do homem traído

 

Do bar volto pra casa solitário
Sem ninguém que me faça companhia,
Remoendo o ideal de uma utopia
Que um dia me julguei ser necessário.
Deste mundo vivi o corolário
Da ilusão que meu peito consumia;
Que tudo não passou de fantasia
Vejo agora em meu rosto proletário.
Tudo fiz, mas não foi suficiente;
A ninguém enganei, mas iludido
E atraiçoado eu fui por tanta gente.
Pensava que o ideal era o partido,
Mas não vi que o partido era somente
Aqueles pelos quais eu fui traído.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Soneto do homem proletário

 

Meu rosto proletário e jacobino
De rugas vai se enchendo tão cansado.
Na fronte, vejo linhas conformado
A perder mais um dia citadino.
Na vida, me impuseram figurino
Que visto só, anônimo e explorado,
Porque não luta o povo alienado
Que um dia quer virar um girondino.
Me empenhei, mas não vi qualquer mudança.
Inútil pareceu todo o ideal
No qual cria repleto de esperança.
Aos poucos, vou chegando ao meu final.
Não posso mais lutar nem ser criança
E vivo eternamente desigual.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Soneto do coração desventurado

 

Meu frágil coração desventurado
Não suporta sozinho sofrer mais.
Quer deixar de bater descompassado
E vibrar feliz, livre dos meus ais.
Meu pobre coração angustiado,
Que pulsa sem alívio ou qualquer paz,
Não consegue esquecer do meu passado
Que o rasga terrível e contumaz.
Não há para si bula ou medicina;
Assustado ele me vem logo à boca
E da aorta sinto no peito a ruína,
Pois nada o deixa leve e eternecido
E, perante essa vida muito louca,
Em pânico, dispara enlouquecido.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Soneto do povo idiota

 

Pensava que este povo, com valor,
Votasse agradecido e sem temor.
Pensava que ele ao menos fosse bravo
E não de ideias tolas fosse escravo.
Pensava que, por ser justo eleitor,
Votasse inteligente, sem rancor;
E pela gratidão, não por centavos,
Elegesse quem, sério e sem conchavos,
A todos governou com retidão.
Mas feito de idiota, seduzido
Por mentiras, votou prostituído,
Pois, ingrata, esta vil população,
Que jamais será nobre à foz de um tejo,
É do Botas, do escuro e velho brejo.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Soneto da lésbica lua


Surge a lua no céu desta cidade
Nua, nele, flutua muito antiga,
Lúbrica sobre nossa castidade
E sempre a fantasia nos instiga.
Balão que paira sobre a realidade,
Não há por causa dela quem me diga
Que, sozinho, na sua intimidade,
Não amou um rapaz ou rapariga.
Alva, enquanto a contemplo desta praça
E traz o dia sujo a poluição,
Deslustrada parece que se embaça,
Embuça-se, lasciva e clandestina,
Para, oculta, em ardente relação,
Ter sensual a Estrela matutina.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Soneto do homem malogrado

 

Sinto que o essencial em mim faltou,

Que tudo se esvanece sem demora,

Que rompo inutilmente toda a aurora

Desta vida em que nada me bastou.

 

Sinto que no fim tudo se frustrou,

Que alheio me tornei quem ignora,

Aceito ou reprovado, dentro ou fora,

O fardo que meu ser sempre curvou.

 

Me fica a sensação de ter vivido

O que me foi imposto ou obrigado

E jamais meu prazer ter consentido,

 

Pois logo que nasci vivi errado

O que nunca me fez qualquer sentido

E faz com que me sinta malogrado.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Nuvens

 

As nuvens vomitam tragédias,
Expelem desespero e trevas.
Não é sombra, chuva ou cantiga,
Não são anjos, suave brisa,
A neve branca e natalina.
As nuvens vomitam tragédias
De um céu sem nenhuma promessa.
E as mais fugazes e branquinhas,
De que gostam as criancinhas,
Somem, fogem, em bandos, junto
Com fadas, anjos e castelos
Do firmamento cor de chumbo
A desabar sobre este mundo
Com aguaceiros e flagelos.