domingo, 11 de junho de 2023

Lunático

Ó louca lua

Desnuda e gélida,

O que me contas

Nesta noite tétrica?


Que um dia

Estes corpos

Mortos e frios

Foram vidas elétricas?


Que estas bocas

Silentes da afasia

Um dia foram

Coro e algaravia?


Ó louca lua

Desnuda e pétrea,

Um dia foste

Lauta e profética!


Inspiraste,

Insana e frenética,

O coração dos ascetas,

Dos abades e dos poetas


E foste o álibi

De todos os criminosos,

Daqueles que buscavam

Em cismas e milagres

O perdão e a eternidade.


Tu me aparecias

Em forma de mulher

Com as vestes rasgadas,

Um seio e o púbis à mostra

Numa solitária estrada

Em que, iníqua, tu brilhavas.


E por mim acompanhada

Nada me dizias

Ou me indagavas,

Apenas o meu leito

Tu corrompias

Na madrugada.


Eu vinha do mar.

Era onde eu te via,

Mas não onde te tinha,

Pois era num lupanar

Em noites frias

Que te possuía

Dos céus despregada.


Ó santa pura e profana,

É por ti que o herege

Peca e exclama!


Tu que dos céus

Preparaste as insídias,

Rasgaste as insígnias

E todos os véus!


E nua, sempre nua

Como uma hetaíra

No firmamento

Da Grécia antiga


Ou noctívaga

E sonâmbula

Nos sofrimento

Dos que amam

Na mais escura treva

Habitada por corvos,

Templos e altares

Em ruínas,


Vagas, deambulas

Por todos os corações

Em festa ou em luto

De quem caminha

Por átrios, câmaras e colunas

Ou dorme debaixo dos viadutos.


Oh, tu que foste

A perversão e o vício

Dos corações apaixonados,

Errantes e perdidos


E te derramaste

Nas noites e vales

De brilhantes catadupas

E telúricos tropismos.


Oh, tu que foste

A breve loucura

No torturado espírito

De todos os arrependidos,


Ó louca, nua,

Impassível e gélida,

Tu me torturas,

Tu me torturas

Há incontáveis eras!

Nenhum comentário: