domingo, 4 de junho de 2023

Corvo

 Escrever às vezes

É um estorvo.


O quanto penou Poe

Até chegar ao O Corvo?


É vasto o céu

Assim posto,


É vasto o céu

Assim póstumo!


O quanto penou Poe?

E ele está morto!


Mas o corvo,

Com suas asas


Sobre a estátua

De Palas,


Mas o corvo

Sempre à nossa espreita,


Atrás, na frente,

À esquerda ou à direita;


Mas o corvo,

Sempre à nossa porta,


É um estorvo,

Velho, sempre novo,


Ave, Demônio

A estraçalhar-nos os sonhos,


A pousar no busto de Palas

E no meu ombro,


Negro, negro, negro

A curvar-se no meu leito.


Grasna que a morte

É para todos


E que a vida e a sorte

São nosso maior engodo,


Grasna aos quatro cantos

Como um louco.


Oh, o quanto penamos

Lendo O Corvo?


Irmão, Poe,

Ele também se foi,


Irmão, Lee,

Nunca mais o vi -


Mortos, mortos, mortos

Aos pés dos corvos!


Hoje é uma asa negra,

Deus sem trono,


A velar-me o sono,

Meu corpo que só deseja.


Nunca mais! Nunca mais!

É o agouro que nos putrefaz.


Matou-me o verso,

Negreja-o agora


O último fóton

Do universo.


Sinto-me fraco,

Amargo, travo,


Sinto-me sem espaço,

Um velho calhamaço,


Sinto uma vontade

De me matar,


De nunca mais amar,

De reescrever-me almaço,


De despojar-me

Do corpo, da carne,


De cortar-me o braço

E dormir, velando-me,


Para curar-me de tanto

Medo e cansaço.


Oh, o quanto nos alertou

O grito do Grou


Antes que nos viesse o Corvo

Aos umbrais após o voo?!

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