domingo, 19 de dezembro de 2010

Texto

Transitas tonto,
Febril e mudo
Num dia grávido
De ardor e pressa.
És nau sem mastros
Dos vãos e ruas
De esquina e beco
No oblíquo muro
Que torna tudo
Um texto em braile,
Um caos de casas
Em mil vielas
Também caóticas,
Estranho texto
De origem bárbara
E lido só
Por quem habita
As tais vielas,
Os tais casebres
Que, em meio à rixa,
Disputa e socos,
Procuras sempre,
Acerca deles,
Tal qual filólogo,
Tal qual legista
Baixar juízo
Que acalme angústia
De quem não lê
Esquiva língua
De corpo vivo,
Feroz, barroco.

Portanto, lê-lo
Num breu terrível,
Cruzar seus lares
E tantos mares,
Sem mastro ou lentes,
Te deixa assim,
Tão só, perdido,
Sem luz, no muro
Atrás de porto,
Verbete ou livro
Que te traduzam
Tecido raro.
Porém, encontras
Fuligem densa
E vil desordem,
Estranha língua,
Bravio corpo
Que só entendes
No teu silêncio
De noite e eco,
Perdido algures.

O que desejas
É tão somente
Rossio calmo,
Profundo e largo,
Em que tu possas
Achar abrigo,
Remanso tênue
De estio e noite
Que o fero pego
Converta enfim
Em rasa poça,
Mar seco e manso –
Cidade, língua
E um corpo lasso,
Que te revelem
Ser que reluz:
Canto e amavio.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Esfinge





















Cofre mudo de aço e espelho,
Quem irá te interpretar
Os códigos e os segredos?
Refletes prédios e carros,
Árvores, gentes e cúpulas,
Mas quem pode ser o espelho
Do espelho em si refletido?
A que Édipo te propões,
Se não há quem te refrate
Nesta manhã tropical?
Se não há quem te decifre
Nesta cidade de enigmas
A refletirem-se em ti?
Tua estrutura de vidro,
De aço e de viga em espaço
Exposto à luz litorânea,
Sobre corpos quase nus,
Não revela teus segredos,
Não revela qualquer vão,
Tua hermética nudez,
Nem descuido de janela
Descerrada por acaso
A ferir a geometria
Regular de tuas linhas.
Apenas à noite deixas
Entrever teus escritórios,
Uns parcos interiores
Já de cripta e desertos,
Sem as gentes que de dia
Tu enclausuras com mistérios
Invioláveis aos de dentro
E aos de fora amalgamados
Pela forma e arquitetura
Especular do edifício
A representar a efígie
Pelas estradas e escadas
De nossa vida diária.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Casamento






















Meu casamento
É como o vento;
Soprou faceiro
Levou as folhas
Da solidão
Que neste pátio
Do ser no escuro
Se acumulavam
E bichos davam...
Me trouxe então
Um roseiral
De um altiplano
Americano
De rosas cheio
Que pouso fez
Nos átrios meus
Pra florescer
No alvorecer
De claro dia
Ao himeneu
Do nosso amor.
Não há mais bichos,
Não há mais ursos
Que após o sono
Despertam sós.
Mas passarada
Que canta assim:
“Casar é bom
Com quem amamos,
Pois traz um dia
Alvissareiro
Que só promete
Fortuna e sorte”.
Então feliz
Eu saio ao pátio
Co’a tua mão
Na minha mão
Pra contemplar
A ação do vento
Que as folhas secas,
Sem direção,
Pra longe as leva,
Bem como aos poucos
O roseiral
Vai desfolhando,
Até deixá-lo
Desnudo a um céu
Que nos contempla
Indiferente.
E vem a noite
E agora nus
Nos recolhemos
Enfim sabendo
Que a condição
Do ser no mundo
É a da falta,
É a do pátio
Sem roseiral;
Por isso, vem,
Do pátio nua
Amar-me mais
Se inda puderes!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Tecelã

Tecelã de traço e forma,
És contrária ao arbitrário;
À desordem impões modo,
Aparência que te agrada.

Frente a todo esse tumulto,
Traças formas e volumes.
O tecido que se urdiu
Contra o intento da razão

Tu desfias em quimeras,
Reprojetas proporções,
Redesenhas arrabaldes
Sobre a folha de papel.

Régua, lápis e compasso
Traçam ordem à cidade,
Entretecem teus desenhos
Inimigos dos garranchos.

Tal quimera entanto notas
Deste intuito tão complexo:
Há pessoas nas vielas,
Multidões incontroláveis

Te ferindo, pululando,
Vomitando escrita insana
De tortuosos domicílios
Formidando irrefreáveis,

Construídos na premência
Implacável de viver,
De morar, sobreviver
Em cidade que se fecha,

Põe num cárcere a beleza,
Em um cofre sem segredo
Para quem ficou de fora
Esquecido, pelos becos.

Entretanto, tu não cessas
Teus projetos sobre a folha:
Tão concreta poesia
Que teus versos são as linhas

De indivíduo geométrico –
Teu recôndito profundo,
Claro mundo de ideal:
Monumento solitário

A ti mesma dedicado:
Pedestal em que te pões
Face um mundo tão faltoso
De arte e técnica e afeto.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Leão

















Todo o dia levanto-me,
Pulo da cama ouvindo, lá fora,
O rugido do leão.
Escovo os dentes, visto-me,
Preparo o café, enquanto ele
Vai de um lado a outro, esfaimado,
Numa infatigável faina de devoração.
Que fazer? Não acordar?
Não levantar pra trabalhar ou rezar?
Não há como!
Há sempre o inelutável
Do despertador, de homens e ambições
Enrodilhando-se-nos,
Espreitando-nos nas esquinas,
Na savana do coração.
Não há como fugir,
Amansar o leão,
Pô-lo numa coleira de circo,
Numa jaula de picadeiro;
O leão é cobra!
Todos os dias saio para matá-lo;
Visto-me, perfumo-me para isso,
Em frente ao espelho, penteando o cabelo,
Organizando a agenda, apertando
O nó da gravata, enrolando
Uma maçã em papel,
Desviando munição e armamento.
Todos os dias o esfaqueio,
Esperando o momento derradeiro
Em que terei de esquartejar-lhe o ventre,
Comer-lhe as tripas, sujar-me
De seu sangue e empalhar uma cabeça,
Que se parecerá com a minha,
Na parede alva da sala.
Então terei vencido:
Serei pior!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Hubble














Sou de certo um ser histórico,
Mas também (e está provado)
Dos altos céus, astronômico.
Caminho sob vetustas
E pesadas estruturas,
Enfrentando as tempestades
À sombra dos monumentos,
Debaixo do guarda-chuva
Com pessoas que se perdem
Cabisbaixas e famintas
Por extensas avenidas.
Sou de certo um ser histórico,
Vivo naus e afogamentos
Aos pés da severa estátua
De monarcas do passado
E cruéis conquistadores.
Sou gente urbana e comum,
Um latino-americano
Num bonde que segue rotas
Do nada a lugar nenhum,
Levando homens em assentos
Que viajam flatulências
Do emprego e da profissão.
Olho para o céu e sei
Que nas vastas amplidões
A gigante Betelgeuse
Enfim explodirá numa
Emanação de partículas
E gás inter-estelares,
Pois sob o espelho primário,
Telescópico, do Hubble,
Minha torre de vigia,
Toda nossa crença e história,
Nossos prédios e cidades,
Mausoléus e monumentos
Pesam e perduram tanto
Quanto a mão de uma criança.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A praça do imperador


















Na praça do Imperador,
Há tanta vida e estrutura,
Há tanta história e escultura,
Cúpulas e arranha-céus.

Na praça do Imperador,
Há monumentos e lápides,
O palácio e antigas torres
Encimadas pela Virgem.

A praça do Imperador,
Ela a própria é um monumento,
Inscrita imagem, momento
De marchas e pavilhões.

Na praça do Imperador,
Há o antigo ancoradouro
Das naus outrora aportadas –
O Pharoux e o chafariz.

A praça do Imperador:
Terreiro da Polé, Largo
Do Carmo, Paço real,
Praça XV de Novembro.

Em tantos nomes e histórias,
Marco zero da cidade,
Nosso berço e nascedouro,
Venho manso desaguar-me.

Na praça do Imperador
De tantos rios e Rios
A desaguarem erráticos,
Posso sereno espraiar-me

Após tanto caminhar,
Após tanto navegar
Com braços, pernas e pés,
E o coração afogado.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Naufragado















Entre a imagem do Almirante
E a copada amendoeira,
Eu me quedo, aqui me deixo,
Brevemente, uma efeméride
Absorta em pensamentos,
Mergulhada nos marulhos
De enseada luminosa,
Ao ouvir voz da estação
Incansável que anuncia
Os horários fugidios
Da chegada e da partida.
Mas, mirando o velho cais
Hoje seco e sem fragata,
Sem baía ou enseada,
Me pergunto ante Almirante
E essa antiga amendoeira
A respeito do Pharoux,
Se não foi onde aportei
Velhas naus desatinadas
Para sempre soçobradas,
Após tanto me afogar
Com varinas e marujos
Em vielas mareadas
E num mar de tantos ais
Que secou deixando apenas
A marítima lembrança
De partidas sem chegadas.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Estranho


















Quando a madrugada
Começava ceder vez ao dia,
Ergui-me e te vi,
Em frente ao espelho,
Sem maquiagem
A pentear os cabelos.
Confuso, percebi tua imagem
Refletida, encarando-me,
Enquanto ouvia o rumor de passos
E vislumbrava, ao fundo,
Através do espelho do toucador,
Parte da casa que desconhecia.
Mudo, sem me reconhecer
Num rosto sem tintas ou máscaras,
Sem luta ou memória,
Pio crente de ti e do fastígio do amor,
Contemplava a cena,
Estranho de mim, de tudo,
Ante uma alvorada vindo, inexorável,
Mais estranha ainda...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Projeto Apuncultura








































ApunCultura
- somos um movimento;nunca uma parada.

Quem somos:

ApunCultura nasceu das cabeças inquietas de alguns jovens artistas e não artistas (esses últimos, aqueles que usam a arte como tratamento, e não como ganha-pão), que cansados da rotina e do stress do trabalho,resolveram buscar outras alternativas para se safarem do rodo cotidiano. Dedicando-se às artes.

E hoje, praticamente curados,eles decidiram ajudar à outros que sofrem do mesmo "mal".

“O ApunCultura decidiu reunir artistas e não artistas,admiradores,curiosos e outros mais, em prol de manifestarem as suas idéias em movimentos e manifestações artísticas.Nós ajudamos as pessoas com a técnica de relaxamento através das artes.”

Objetivo:

Fazendo uma comparação com a técnica milenar chinesa de acupuntura,nós do"ApunCultura" temos como objetivo maior,"injetar" dicas,sugestões e opiniões em àreas específicas da cultura numa tentativa de aliviar as tensões e o stress da população.

Aqui você vai encontrar dicas de peças,shows,eventos;sugestões de filme e livros;divulgaremos as novidades e os clássicos,os trabalhos dos novos artistas e dos velhos e,inclusive,dos não artistas.Tudo inserindo nos pontos específicos,os chamadosAcupontos, tais como:literatura,música,teatro,cinema,artes plásticas...

Por isso sejam todos bem vindos e sintam-se em casa!

É só entrar e relaxar...


Contato:

Mande-nos seus trabalhos,opiniões e críticas.Na maioria das vezes elas serão muito bem vindas.

movimento.apuncultura@gmail.com

Fazem parte do Grupo:

Roberto costa

Breno coelho

Braulio coelho

Maikon Pinheiro

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

À toda

















Vai
Levando tudo,
Retrovisores, pára-choques,
Pára-lamas, muita lama
Jogada sobre as gentes,
Galhos, braços, folhas,
Choro, choro, choro...

Vai
Engolindo tudo,
Ruas, casas, becos,
Homens e avenidas,
Idas, vindas em itinerário
De atropelos em tropel –
Turbamulta e multas...

Vai atropelando tudo
Vertiginoso,
Irresistível,
De roldão,
Enquanto perco a cabeça
E boto a cara pra fora,
Sentindo o vento nas ventas.

Vai sem placas,
Impetuoso,
Sem freios,
Sem meios
De melhorar a condição,
Enquanto perde a cabeça
E a direção nessas curvas.

domingo, 8 de agosto de 2010

Linha de tiro

















Aqui neste bairro,
Na rua onde moro
De Ramos à Penha
Nas adjacências
Da linha do trem,
Há risco terrível,
Há risco iminente,
Há risco de morte,

Embora nas ruas
Quem passa, quem vai
Ao banco, à lotérica,
À barbearia
Cortar o cabelo,
Bater um papinho,
Pareça com isso
Sequer importar-se.

Na rua onde moro,
No bairro da Penha
Matar ou morrer
É caso geral,
Rotina diária,
Um caso sem caso,
Sem qüiproquó,
De pouca importância.

Mas, inda qu’eu beba
Até dizer chega,
Até cair trêbado,
Na linha de tiro
Meu quarto se encontra,
Ainda que eu clame
Ou inda que esqueça,
Abaixe a cabeça
Ou fuja pro boxe
Do meu lavatório,
Na linha de tiro,
Também fica a sala.
Daqui, vou sair,
Fazer minha mala
Se não vou morrer!

Mas, para onde eu vou
Triste sem pasárgadas?
Mas, quem sabe disso
Ou co’isso se importa
Se há tanto batuque
Nos fins-de-semana,
Se há tanta cerveja,
Pagode e bailão
Nos bares e clubes,
Se tem na TV
O jogo final
Do time querido
Por mil corações?

No fim, resta, então,
Fechar as janelas,
Fechar as cortinas,
Rezar a São Jorge,
Deixar para lá,
Quedar-se em silêncio.

Nos resta somente
Beber e fumar,
Amar e gozar
Nos bares e clubes
Do bairro onde moro.

Mas,
No escuro, em silêncio
Cantando ou calando
Amor sem amplexo,
O tédio da vida
Sem casa, sem nexo,
Malgrado esse risco
De morte iminente
A todo vivente,
Enfrento-me nu
De tudo, de mim,
De quem silencia
A dor deste bairro,
A dor desta terra
No risco de em vida
Já morta encontrar-se,
Já morto encontrar-me...

Mas,
No escuro, em silêncio
O rastro de um grito,
De um grito dorido,
Pressinto trancado
No quarto de treva
Em luto por mim,
Enquanto lá fora
Batuque feroz
Se faz pra esquecer
O medo de, à bala,
Morrer numa vala.

domingo, 18 de julho de 2010

Cata-lata
















Cata-lata,
Tanta praga
Que se abate
Sobre ti:

Cata-lata,
Vira lata,
Deus de lata,
Tanta lata
Que enferruja
E te fere
Bem a mão.

Cata-lata
Que não fere
Não maltrata
Quem te fere,
Quem te mata.
Só suplica
E suporta
Catar lata,
Catadura
Do esmoler
Que te dá
Sujo cobre,
Suja gente
Que se pensa
Ser de prata,
Pura nata,
Quando é rata
Nos altares
Genuflexas:
Dura cata,
Dura lata,
Lá na Lapa,
Onde dormes
Contemplando
Catadupa
De astros mortos.

Cata-lata,
Esse Deus,
Essa gente
Que é de lata,
Tu não matas,
Mas se tal
Não fizeres
É porque
Já é lata
E não carne
Que te faz
Ser humano.

Salva, então,
O que em ti
Inda é carne,
Não de lata –
Consciência
Do que é lata,
Catar lata
E te mata,
Condição
Que enfim tu
Não mais queres
Aceitar,
A-catar! –
Catar lata...

domingo, 27 de junho de 2010

Escravo




















A Antônio Franco Alexandre


Escravo escrevo
De tudo
Ou
De quase tudo,

De becos e tiros
De ruas e fuzis,
De largas avenidas,
Livros e vitrines,
De alvoradas e crepúsculos,
De estrelas e amplidões,
De luas e bondes,
De portos e naus
Que apontam
Magoados
No horizonte
De concreto e fastio.

Na escrita,
Nem tudo é livre
Como na fala
Que livre
Perde-se longe,
Prolixa,
Com suas pontes
Frágeis, feéricas,
Pois a da escrita
É fixa
De madeira
E prego,
Embora levadiça.

Escravo escrevo
Da escrita,
Da vida
Que o corpo mancha
E o levita
No espaço
Sintático do ser.

A palavra amiga
Súbito
Assume brusca
Estranheza
Na sintaxe
Quase estrangeira;
Quer agora
Ser ferida de beleza.

Escravo escrevo
Da escrita,
Livre de tudo
Ou
De quase tudo,

Do que não é
Obtuso, escuso,
Sujo, da límpida
Retórica de tribuna,
Escravo do que aéreo
Se espatifa
No chão úmido,
Túmido
De súbito sangue.

Na escrita,
Nada é escravo
Do corpo livre da fala.
Escrita
Que tantas vezes
Cala,
Porque nela
Não há altercação,
Interlocução,
Copiosos gritos,
Mas leitura,
Grave tessitura
E leitores
Reclusos
No silêncio.

Na escrita
Nem tudo fala,
Mas deixa
Lido,
Movediço
Na ante-sala
Da escritura –

Face marmórea
Do instável
Onde escravo
Escrevo inscrito.

Na fala
Quase nada escreve,
Inscreve-se,
Embora fóssil
Vire gramática,
Escrita escrava
Do corpo
Que foi fala.

Escravo escrevo
Proscrito da fala,
Inscrito na escrita
Em meio a tudo o que fala
E que escravo se inscreve.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sumário dos dias II


















A lua ergueu-se nos espaços
E nada disse.
Foi-se como ontem, hoje,
Sem nenhum murmúrio.
Passou o vento bulindo em tudo,
Causando grave alvoroto,
Tentando soprar as lembranças contra nós,
Mas não lhe entendemos o recado
Após o dia, o verão e o estio.
Passou apenas nos deixando
Uma noite sem nenhum fragor,
Paixão ou volúpia,
Sem anjo a tocar trombeta –
Noite, apenas noite, física,
Insonhada por todos os poetas.

Ao alvorecer,
A manhã trouxe-nos
As mesmas flores de ontem e amanhã:
Desenganadas!
Porém, não houve pesar ou frustração
Pela noite, pelo vento e as flores
Fanadas entre nossos dedos resignatários,
Sem nenhuma poesia.

Pois, como dormimos, acordamos,
Como acordamos, comemos,
Como comemos, repomo-nos,
Pequeninos às nossas funções,
Como nos repomos, produzimos
Como produzimos, amamos,
Como amamos, esquecemos,
Como esquecemos, esquecemos o que esquecemos,
E, então, morremos como nascemos,
Brotando sobre nossos túmulos de granito e cimento
As mesmas flores do amanhã,
Entre armas e sonhos imobilizados.

sábado, 29 de maio de 2010

Desespero romântico




















Só, na penumbra,
Depondo um caule seco
Na tigela,
Uma questão me ressumbra
Sob a luz da vela:
Que nos resta
Senão o espinho
E esta vazia cela?

Haverá fortaleza,
Haverá natureza
Que suporte isso
Neste terreno cediço?
Franca beleza
Que não perca o viço?

Ó louca lua,
Vermelha e nua,
Dize-me ao menos
O que é o ser
Nesta vida de somenos?
Dize-me que são
Estas falanges
De gente morta e exangue?

Dize-me quem são,
Tu que, súbito,
Demudada e lenta
Surges rubra,
Sanguinolenta,
Carnívora
Nesta atmosfera
De corpo e sangue.

Dize-me o que é
Esta gente langue
Que volta pra casa
Silente e estanque
Seguindo num bonde
Que chega aonde
De paludes sombrios?

Dize-me o que é,
Sob esta atmosfera
De pântano e fera,
Tanta gente que espera
Ouvindo o carrilhão
Vibrando da catedral
E de abissal região!

Dize-me que são
Os mares e marés,
O sol e as estrelas.
Sobretudo as estrelas!
Essa louca vontade
Que tenho de vê-las,
De tê-las
E compreendê-las.

Fala-me do quark
E do quartzo,
Tu que surges
Na janela do meu quarto,
Tu que a tanto nos observas
Como a um filho
Após o parto.

Dize-me quem és,
Filha de Théia,
Irmã gêmea da Terra,
Que pelo céu erra
Desnuda e atéia!

Dize-me o que são
Tanta forma e estrutura,
Tanto véu de loucura
Que em si tudo enclausura.

Dize-me o que são
Tanta vida
Ao rés desse chão
E esses corpos no escuro
Que alheios caminham
À própria matéria
Contra toda a sorte,
À espera da morte
Em solitária clausura.

Dize-me o que são
Tanta nau naufragada,
Tanta onda cansada,
Tanta vida afogada,
Tanta gente sem glória,
O Ser, o Tempo e a História!

O que dizes?
Nada dizes!
Apenas sussurras
Por sobre as marquises:

- Intrusa, irrompida vida,
Ainda recente ou finda,
Inunda logo a avenida
E tua cela vazia...

domingo, 16 de maio de 2010

Sumário dos dias















Por onde passaste e te perdeste
Num mar de procelas borrascosas?
Nem mesmo tu sabes protegido
Por quatro paredes que te encerram.
Lá fora o dia é sem precedentes.
Não há nada igual e os homens catam
E contam calados as ruínas
Dos corpos imotos, sem desígnios,
Co’a comprida vela esfarrapada
De um lenho repleto de naufrágios.
Quiseste transpor o bojador
E êxito lograste em tão extensa
E arriscada empresa, porém não
Transpuseste a dor da solidão,
De quem pelo mar, expatriado,
Regressou sem fé, feito em pedaços.
Calecut alguma divisaste
Ao fim da jornada para a glória;
Viste tão somente um breu profundo
De abismos e pântanos sombrios,
Que é a própria máquina do mundo;
Mares em que não discernes céus
De amorosa estrela cintilante
Que a Deusa averruma no horizonte,
Pois toda a alma nasce sempre imensa
Até se encontrar co’o mar e ver
O quanto é miúda e sem destino,
Até defrontar-se co’as metrópoles
E ver-se sem alma na rotina.
E agora de volta para casa,
Anonimamente conduzido,
Melhor compreendes o que foste,
O que és e serás na tempestade
Íntima de ser que se procura
Sempre no maralto da cidade.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Canção suicida





















Antes era livre;
Dispunha de amplo
Firmamento teórico para aventuras
Amorosas e ontológicas,
Mas nunca conjecturei-me feliz,
Sabendo até que muito desejava tal emoção.
Certas associações tão óbvias
Não se conjugam neste mundo incongruente,
Enquanto algumas contradições surpreendentes
Enredam-nos facilmente nos viéses da vida,
Pois sendo amante devasso
De todas as fórmulas de lupanar
E de fêmeas filosofias ocidentais,
Não era feliz,
Não, ao menos, como um dia foram
Gregos ou romanos transfigurados
Pela apolínea beleza do Olimpo...
Contudo, hoje, quando circulo,
Sempre me deparo com paredes
Sem contradições, de crueldade,
Liturgia escolhida
De uma única profissão de fé.
Porém, nem tudo parece perdido...
Nelas, percebo sempre uma janela
Para, de monturos de arame e aflição,
Defenestrar-me, alcançando,
(Quem sabe?) após prisão e flagelo,
A medida vaga da aceitação,
Que vem de saber que o saber
Faz sofrer eternamente...

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Odisséia

















Caudal enorme
De pressa e de ódio,
No leito asfáltico,
Perturba os homens.

Calor de máquina
De brita e de aço
Poreja a pele,
Sufoca o peito,

Sufoca o pleito,
E a todos deixa
Em alta noite
Insones, nulos.

E oprime a boca
Que pede vez,
Que pede voz,
Um pouco d’água,

A fim de sede,
Tal qual de Tântalo,
De fera estiva
Matar enfim.

Mas, há bebida
Que te refaça,
Um calmo rio
De leito manso

Que o lasso músculo
Vigore e molhe?
Não há natura
Que a crosta fure

E acalme a fúria
Febril e muda!
Não há natura;
Só louca lua

Desnuda e gélida
Que se insinua
De noite arcaica,
Por entre gretas

De tua dor,
E nu te deixa
De couro e seda
Com teus broquéis.

sábado, 17 de abril de 2010

Pipa




















Se a lesta pipa passar em frente,
Num dia claro, da tua janela
Com franca vista do pôr-do-sol,
Estica o braço para pegá-la,
Mas não a apare no pleno vôo;
Sente a rabiola passar apenas
Pelos teus dedos, ligeira e breve,
Pois se sustenta no ar tão somente
Por brisa e linha fina e volúvel.
E se outra vez o acaso do vento,
Pela janela do apartamento
Em que tu moras, encaminhá-la,
Perceba bem que já não há linha
Que a leve leve por estes céus,
Sem deus ou nuvens a organizá-los;
Somente um vento que forte e doido
Mexe febril em toda a paisagem
E a pipa arroja contra a janela
De um edifício que muito lembra
Adamastor no silêncio grave
Do aço, concreto, viga e fastio.
Portanto, deixe que adentre anônima,
Sem epopéia, cantor ou fama:
Ave abatida, louca avoada,
Em desafio contra fachada
De mil janelas sempre fechadas,
No breve instante de um vento leste.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Adamastor




















A tua dor, do que ela é feita?
De escarpa, barba, sal e lágrima,
De pedra e mar em promontório
Alcantilado, mudo abismo
Feito de vales e penhascos
Que o choro pejo vertem no eco.
Aterrador é o teu aspecto
De ancião – velho desprezado,
E ninguém diz que um dia foste
Amante alegre e desejado.
Um capitão que guerra fez
Mais pelo amor que pela guerra,
Porque a batalha que te aferra
Não é por glória, nem por fama,
Não é por África ou Arábia,
Mas a que faz os corações
Serem tachados de ignaros;
Mas a que faz os corações
Pra trás deixarem toda a frota,
Pra trás deixarem toda a tropa
Em mar cortado por trovões
Que vêm dos céus e dos canhões,
Aquela mesma que te fez
Em promontório converter-te.
Foi a paixão por nua ninfa,
Foi a paixão que a sorte mísera
Contradição impôs a ti
Por muito amar e o mar deixar.
Tão puro amor por nua ninfa
Te fez penhasco, um promontório,
Tão fero amor por nua ninfa,
Mais que titã, te fez um homem,
Um ser de rocha, em carne tesa,
Em tensa carne belicosa,
Intensa carne desejosa
A revelar-te a louca fera,
O fero amor que por ser puro
Precipitou teu ser titânico
Contra ti mesmo, imenso monstro,
Ávida carne, à enorme penha,
Brutal amor, em pura pedra...
E se hoje incrível dor naufraga,
Em tormentosas tempestades,
Vetustas naus e novas naves
É só por ti que elas afundam
Em novos casos de naufrágios,
É só por ti, imensamente,
Que de cidades inundadas,
Partem repletas de indivíduos
Que amor não têm, mas que uma dor
Inexplicável, sem razão
Oprime peitos tão civis,
Que mesmo assim cismam doer
Sem promontório e sem esquadra.

Vitrines




Demente
Silente
Nem sentes
Que mentes
Pra ti.
Sequer
Ressentes
Ao ter
Que à mente
Ludíbiro
Impor
De quem,
Semente,
Se mente,
Contente
Com isso;
De alguém
Que mente
Premente
Querendo
Tão ávido
Mais luxo,
Debuxo
De bruxo
Da cor,
Do talhe,
Do corte,
Do molde
Esguio,
Esbelto –
Reclamo
Vendido,
Mentido
Modelo
De ti:
Vitrines!
É que
Mentir
Te deixa
Ausente
De ti,
Da dor
Do ser
No eterno
Devir.
É que
Mentir
Te traz
Alívio
De não
Saber-te
Semente
Florente
No rente
De um chão
Que não
Se sente,
Se mente,
Nem mente
Semente,
Somente
Te brota,
Te rompe,
Te enruga
E faz-te
Arbúsculo
De músculo
Morrente.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Soneto do avião
















Tão refulgente por estes espaços,
Luminoso aerólito, avião,
Vai cruzando janelas e terraços
De um céu azul sem nuvem ou senão,

Pluma com toneladas de fio e aço
Que, leve, leva em si tanta vanglória,
Não há ninguém que o alcance, nenhum traço
Que o desvie de sua trajetória,

Senão quem inaugura a própria história
Rasgando os corações de conjunturas
Repletas de terror e sepulturas,

Ao som de uma feroz jaculatória,
Homem que encheu os céus de precipícios
E de horizontes sub-reptícios.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Os pombos e o homem




















Os pombos da Praça XV
Não se parecem com pombos,
Não se parecem co’as aves,
Co’os próprios da sua espécie.
Os pombos da Praça XV
Se parecem mais co’as gentes
Quem vão e vêm pela Praça.
Ou quiçá sejam as gentes
Que com eles se pareçam,
Já que também pela Praça
Vão e vêm seguindo rotas
Como as aves migratórias.
Pois quem será mais antigo:
O homem enfadado da Praça,
Ou a ave cansada de céu?
Não sei! Pombo, gente, pombo
Que vão e vêm pela Praça
Se imiscuem, se confundem
A tal ponto que não notam
Um e outro nesta labuta
Diária por alimento
Nas filas, vias e dutos
Por onde passam e ficam
Às vezes, homem e pombo
Aves, gentes e indigentes,
Quietos, e lado a lado,
Protegendo-se da chuva,
Debaixo do viaduto,
Que rasga a Praça concreto.

O pombo, o homem, a praça
E os mendigos esfaimados,
Debaixo do viaduto,
Cruzam-me sempre o trajeto.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O mar e o rochedo















I

Quando algo se parte entre nós,
Bem sei.
As marés em ti convulsionam-se
Teus continentes estremecem,
Obrigando a imensa
População de teus sentimentos
A fugirem desesperados
Para todos os recantos do teu corpo.
É então que,
Como se algo de ti perdesses,
Como se algo em ti partisse,
Precipitando-se escada abaixo,
Choras francamente.
As lágrimas rolam simultâneas,
Lado a lado, de teus olhos,
A lembrar o que éramos,
Nas faces límpidas de um rosto.
Quando algo em ti se parte,
De imediato, sei,
Pois todo teu corpo delata-te,
Fica qual pregoeiro
Anunciando tua viuvez.


II

Quando algo em mim se parte,
Não há aparência
De nenhum mar que se revolta.
A rocha cede apenas
Um pouco mais de seu material,
Ante a outra onda procurando
Praia serena para espumar-se,
E a velhice reduz-me a sombra
Sob o sol inexorável dos dias.
Quando algo em mim se parte,
Apenas sentes,
Sonhas o que a consciência
Sussurrou-te antes do sono:
Silêncio de abismo,
Filosofia sem objeto,
Uma árvore desfolhando-se em prados desconhecidos.


III

Quando enfim o que pensamos em nós
Ser ouro e diamante partir-se e partir,
Talvez tu, de tanto expor-me
Os restos daquela que conheci,
Sejas outra, nova,
Desconhecida pisando nua
Sobre cacos do que sonhara para si,
Sem nada mais sentir,
Deixando-me apenas
Tuas marés e a rocha nua
Feita em incontáveis pedaços.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Desespero
























O desespero de vidas vazias.
Quanto tempo se passou
Até que chegássemos aqui?
Todos os caminhos
Tornaram-se terríveis,
Monstruosas quimeras
Prontas a nos devorar
Com a boca desdentada de fábulas.

O desespero de vidas vazias.
Alguém está sempre
Prestes a cair, a tombar
Num asfalto em chamas
Após um dia tórrido, hórrido,
Repletos de cacos desesperados,
De homens já no bagaço
Na volta para casa.

O desespero de vidas vazias,
O alarido das discussões
Ao telefone, a verborragia
Muda em frente ao pc,
As caras não se transmudam
Iluminadas por tantas luzes?
O corpo quer transigir,
Mas só encontra o que secreta.

O desespero, os morteiros,
O corpo é pequeno demais,
Mas teima em sentir,
Para logo calar, e como cala
Todo um país em chamas,
O que desejou tanto sentir,
Porque agora só há a profusão,
Profissão e tecnicismo.

Olha as cartas, os e-mails,
Uns queimamos, outros
Apagamos com um simples
Toque, tudo tão fácil
Como lavar as mãos
Antes da refeição,
Como lavrar a vida
Repartida e burocrática.

Onde foi que nos perdemos?
O desespero de vidas vazias
Com água encanada,
Com carro na garagem,
Com bate-papo na internet,
Com tv a cabo e comprimidos,
Num labirinto secular
De programas e utensílios.

Toda a ameaça para fora
Dos muros da cidade,
Mas não há muros!
Para fora dos portões,
Que hoje são só um monumento.
Para fora de nós mesmos,
Mas não há mais nenhuma alcatéia
E é narciso quem nos mata.

Se alguns atiram e matam,
Nós calamos, os olhos
Se fecham para o sono dos justos,
Mas todos delinqüimos
E acusam-nos disso padres e profetas.
Ainda há beleza em salvar-se
Num mundo sem salvação?
Ainda há beleza? Deleite?

O desespero, e ele é mudo!
As fábricas funcionam, regulares,
Como os maridos em suas camas.
Os prostíbulos apinhados
Funcionam regulares
Como as missas nos altares.
A tarde se oferece sangüínea,
Venenosa e sem alarde...

O desespero, e ele é mudo!
Fauces abertas sobre todos,
A verdade nos calcina!
E a mentira chega lívida em aspirinas.
As hipóteses trêmulas naufragam
Sob o peso incomensurável do silêncio
E da inorgânica acidez da chuva
Desabando intransigente sobre a terra.

O desespero, e ele é mudo!
O destino das mãos se conflagra.
Na esteira das cifras
Os olhos se cifram diante
De apólices, títulos e debêntures
E o resto do corpo não decifra
O que em si segue inominado,
Inominável sob o peso do mercado.

O desespero de que tudo já foi
E não há nada mais a dizer.
O desespero de que não aprendemos,
Que desaprendemos e que queima
Inutilmente em nosso peito
Toda a biblioteca de Alexandria.
O ancião morto me disse:
“Os homens se matam feito percevejos.”

Mas eu calei, mas eu sangrei
Vendo aquela flor de asfalto
Irrompendo-me os nervos e os versos.
O desespero me silenciou,
Depurou-me o próprio silêncio,
Enquanto meu filho vai nascer
Nesta cidade de bruxas e elefantes,
O filho, o filho que vou ter, infante...

O desespero, e ele é mudo!
Tantas vozes e nenhuma
É nossa, a cidade nos abafa
Com alarido e promessa de prazer.
E sob dióxida atmosfera,
Nos quedamos sem saber
Que toda a estrutura provém
Da agonia dos céus de outrora.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Fuga
















Ah, eu queria apenas
Uma exígua porção
Da rara antimatéria
Capaz de devastar
Todo o bairro onde moro,
E a excelsa espaçonave
Lançá-la nos confins
Do espaço sideral.

Partículas tão raras
Presentes nos primórdios
Da nossa formação,
Imagem especular
Do que não nos tornamos,
Matéria negativa
Que enfim se consumiu
Em luz e em energia.

Ah, eu queria apenas
Atingir os limites
Deste imenso universo
Finito, mas sem margens,
Contemplar enlevado
A máquina do mundo,
A primordialidade
De seu funcionamento.

Ah, eu queria apenas
Ver todas as estrelas
Que nascem lá nas Nuvens
De Magalhães, pilares
De outros mundos e sóis.
Contemplar as moléculas
Chocando-se entre si
Em espirais sem fim.

Canópus e Capela,
Vega, Rigel e Prócion,
Poláris e Altair,
Aldebaran e Pólux,
Betelgeuse, Castor,
Sírius e Belatrix,
Dossel de astros que apontam
De Cão a Ursa Menor.

Ver todas as estrelas
Verrumando nos céus
Noturnos das cidades
Que também se iluminam
De luzes e néon
Nas ruas e avenidas
Em que os homens se perdem
Feito estrelas cadentes.

A mim basta só isso.
Da deusa não preciso,
Nem de revelação
Na estrada pedregosa
Daquele ancião de Minas.
A mim basta só isso:
A energia que possa
Lançar-me neste espaço.

Porque a realidade
Não é um teorema,
Nem clara se desvenda
Em rápido relance,
Nem a reinos nos chama,
Porque já estamos nela
Sem sequer se importar
Se a queremos ou não.

Oh, este mundo! Sim
É possível medi-lo,
Entender seus princípios,
A origem e o destino
Do que nos concebeu:
A primeva matéria,
Ínfima e subatômica –
Os quarks e antiquarks,

Matéria e antimatéria
No espaço colidindo,
Gerando mais partículas
No caos das incertezas
Que fez as quatro forças
Então se separarem
E enfim impulsionarem
A máquina do mundo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Deuses





















Se existe um deus
Que se interessa
Por tanta gente,
De certo é o sol

Com seu calor,
Feixe de fótons
De labaredas
Por vasto céu.

Se existe um deus
Ínclito e forte,
Só pode ser
Alfa Centauro,

A Betelgeuse,
Gigante prestes
A desabar
Sobre si mesma,

Cisne X-1
Ou os pulsáres
Como faróis
A irradiarem

Raios letais
Por todo o espaço;
Ou os quasáres
A propagarem

Luz e matéria
Pelo infinito;
Ou os severos
Buracos negros

A devorarem
A própria luz
Que me ilumina
Do firmamento.

Se existe um deus,
Só pode ser
As centilhões
De estrelas vivas

Que vão morrer
Numa explosão
De gás e pó,
Matéria à vida

À formação
De novos sóis
E novas terras,
Ao chão e ao berço

De mais espécies
Que indagarão
Se não surgimos
Do pó de estrelas.

Deuses que não
Protegem, cuidam,
Que não se alegram
Com quem formaram,

Que não te julgam
Por não ter fé,
Tão pouco amor
A Deus e ao próximo,

Porque são gases,
São reações
Que geram luz,
Toda energia

Que faz do solo
Nascer o trigo
E o pasto ao gado,
Enquanto rezas,

Enquanto pedes
Sem perceberes
Que a vastidão
Não tem memória

Não tem vontade,
Sequer um plano
Diverso disto:
Do que formou

E destruiu
Pela entropia,
Por tantas vezes,
Teu firmamento.

Por isso, eu peço,
Aos deuses, rogo:
- Vem, contra mim,
Ó imensa Andrômeda,

Chocar-se toda
Devoradora
E canibal
Para formar

Do caos, a lei,
Novas galáxias
E aglomerados
De leite e luz.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Soneto do homem só

















Certo homem sai à luta todo o dia.
Num bar, engole rápido um pingado
E mais um sonrisal contra a azia
Co’a conta pendurada, no fiado.

Vai correndo, apressado pela via,
Co’o fraco coração atravessado
Por dúvida inquietante, covardia
De enfrentar o que dizem ser-lhe o fado:

Ralar muito em funções de vil salário:
Beber, jogar no bar feito um otário,
Culpar a todos pelos seus azares.

Mas, quando nos balcões das mãos servis,
Não se esquece do bêbado que diz:
“- Bebo em vão pra esquecer os meus pesares...”

sábado, 23 de janeiro de 2010

Mito e história





O mytho é o nada que é tudo.
(Fernando Pessoa – Mensagem)









O mito é vivo e traz mistérios.
Em bela estância ele revive,
Se faz concreto e puro espírito
Que a nós se liga identitário.
Não há retórica que o exceda,
Pois se estetiza em bela heróida
Do grande bardo da nação
Que sabe a História reescrever.
E se dissessem: - Só de fábulas
É que teu canto se sustenta!
Retorquiria com firmeza:
- Nem só de fábula ou mentiras
É que se arranja a minha estrofe,
Mas desses fatos e pessoas,
Testemunhados pela História,
E que estetizo em pura idéia.
Por isso, digo que é mais belo
Ouvir história em canto e em verso
Do que por crônica ou compêndio,
Já que no início era o poeta
Quem memorava a todo o povo
Que do destino dos heróis
Se entende o fado coletivo,
A própria vida que se vive;
E, deste modo, em verso e ritmo,
Embalsamava ante os instintos
Do sage experto à plebe humilde
A azada história de uma gente,
O senso histórico da vida,
O presumido antes do verbo,
O raro aroma do que é mítico.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O dia da vingança




















I

A espada de Deus está repleta de sangue,
Vibrou sobre a capital do mundo,
Contra sacrílegas Babéis.
O Califa já não dispõe mais de seu harém.

II

Ele sai sereno de sua tenda,
De túnica branca,
E contempla a serpente,
O deserto e o bico das metralhadoras:
Lenda!
Apóia no cajado o peso
De cidades mortas e dos guerreiros de outrora.
Ninguém ousa perscrutar-lhe o coração.
A tenda, o deserto e o cajado
Resumem-lhe a fé, o ser:
Ímpar,
Jamais à venda.
Não imaginam o quanto ele ama,
O quanto os ama
Sob a face justiceira do ódio,
Pois jamais negocia com terroristas.
Lá vem o Pastor...
Hosana!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O herói e o piloto
















Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Peregrino destes mares,
Te perdeste em Lituânia.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Peregrino destes mares
Te perdeste em Mauritânia.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Peregrino destes mares,
Te perdeste em tanta insânia.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Peregrinos destes mares,
Degredado pela infâmia.

Vasco da Gama,
Te esqueça da fama,
Peregrino destes mares
Naufragado dos azares.

Vasco da Gama,
Cadê tua chama,
Peregrino destes mares
Sem ninguém para velares?

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Em estranha Lituânia
Há polaca que te inflama.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Em perdida Mauritânia
Há um porto que te chama.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Peregrino destes mares,
Vê se esquece a Lusitânia!

Vasco da Gama
Sem nau capitânia
Neste mundo de nevascas
Só te resta mesmo o Alasca.

Vasco da Gama
Sem nau capitânia,
Entra agora em nau anônima
Que se esfuma momentânea.

Vasco da Gama,
Sem Ibn Majid,
Que seria de tua fama?
Que seria dos Lusíadas?

Vasco da Gama,
Sem Ibn Majid,
Que seria de tua gana
Em partir assim valido?

Vasco da Gama,
Sem Ibn Majid
A tornar o mar macio,
Conhecido e navegável!

Vasco da Gama,
Com Ibn Majid,
Deu à história de um império
Larga cópia e uma obra-prima.

Ibn Majid,
Sem Vasco da Gama,
Quase nada contaríamos
Pela história e pelo verso.

Ibn Majid
E Vasco da Gama,
Navegai! Ah, navegai!
Neste mar de tantos ais...

Entrai já em nau anônima
Que se esfuma momentânea,
Porque a história recomeça...

sábado, 9 de janeiro de 2010

Teu cheiro
















Teu cheiro
De suor curtido, dormido,
De sol a pino sobre andaimes,
Escadas, bueiros
Brita e betume.

Teu cheiro –
De quem sua de frio,
De medo, de náusea;
De quem transpira de gozo
De quatro sobre corpos
E camas,
O das putas e meninos
No batente de seus leitos,
Suando de medo, de frio.

Teu cheiro
De pressa sob o sol,
De apitos aflitos,
De corpos e gritos
Suarentos, esforçados
Por fito do qual se ignora
O motivo: puro rito
A ser seguido
Nos vigores do dia.

Teu cheiro
Desaba sobre mim
Em torrente,
Viscosa corredeira
De um vau sem fim,
Enterra-se fundo
Em minhas narinas
Por uma extensa avenida
Trescalante de rastos
E fétidos ares.

Teu cheiro:
Odor citadino
Do estranho que passa
Nos misteres diários,
Em pegajosos coletivos
Transpirando fadigas
E vasilhas vazias
Dos almoços e bares.

Teu cheiro
Pendurado nas marquises
Dos homens de macacão
E boné,
Sujos de tinta e estuque –
Como fedem sorridentes
Sob a torridez tropical!

Teu cheiro
Contra os perfumes
De meio ambiente:
Rosa, lavanda, baunilha,
Sachês aromáticos
Difundindo
Climas artificiais.

Teu cheiro:
Odor de cerrado ambiente
E sudorífera seiva –
Essência das horas
E trabalho
Que fica no assento,
Na roupa, no braço
Querendo ganhar os espaços,
A rua, o tráfego, intruso,
Feito um teto de febre e laje
Sobre exausta cidade.

Teu cheiro
Azáfama, faina e labuta
Epidérmica,
Sobre a musculatura do dia
Que perdura
Em absconsas regiões
De bílis, de afeto e quimera,
Mesmo após o banho
E uma noite sem sonhos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

As ondas
















As ondas erráticas
Que rolam sem mar
Por entre alamedas,
Por entre esses carros,
Intrusas, incômodas,
Me trazem memórias
Bafio de mar,
De mar que secou,
De nau que afundou
Co’herói e piloto.
Qual doidas sem rumo
Se quebram, rebentam
No pé do edifício
De escarpa e marisco.
Na noite serena,
Do quarto eu as oiço
Marulho de outrora,
Repletas de vozes,
De guerras e amores,
De frotas inteiras
Que não transpuseram
Tormentas e cabos;
Que não encontraram
Bom termo e farol –
Imenso alarido
De gritos no escuro...
E assim quando saio
Com pasta na mão,
Ou chego abatido
Qual ave arribada
Os pés eu remolho,
Cansado e calado,
Num mar de cadáveres,
Atrás de enseada,
E enfim descansar
Um lenho de carne
Que sulca esquecido
As ondas de um mar
Em que naufragou
Remoto na história.
Por isso, o que quero
É enfim devolvê-las
Ao mar dos banhistas,
Ao mar dos surfistas
Que quebra na Atlântica
Sereno e tranqüilo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Às avessas

















Em teu abraço não houve sofreguidão
Nem calma,
Como em Araguaína ou no Bico do Papagaio,
Após tanta poeira e viagem,
Tampouco ardor em teu beijo
Ou alívio
Como na praia de Tucunaré em Marabá,
Após tanto desejo e voragem.

Em teu olhar não houve labor
Nem satisfação,
Como às margens do Araguaia,
Ou na Gamaleira lendo o romance da liberdade
Para roceiros e o povo pobre,
Ou em Xambioá ao lado de índios e posseiros,
Tampouco desespero em tua mão
Mole no meu ombro
Ou a dilaceração,
Na fronte conturbada de emoção,
Ao ver de longe a fumaça negra que se levantava
Dos corpos de Maria Lúcia e tantos outros,
Lá em Andorinhas.

Em ti, houve sincera indiferença,
Em mim, muitos cadáveres
Que enterravas sem lamento e palavra,
Passado sangrento de fugas e torturas
Na tua muda catatonia.

Naquele momento, sem magia ou estupor,
Em que nosso ideário desfeito
Recusava qualquer panteão,
Despencando em tuas mãos áridas,
Nos reencontramos
E nos despedimos,
Sem estação ou trem,
Sem bandeira ou voto,
Sem rio ou praia
E para sempre
Sobre um monte de nada
Num país de ninguém...