sábado, 6 de fevereiro de 2010

Desespero
























O desespero de vidas vazias.
Quanto tempo se passou
Até que chegássemos aqui?
Todos os caminhos
Tornaram-se terríveis,
Monstruosas quimeras
Prontas a nos devorar
Com a boca desdentada de fábulas.

O desespero de vidas vazias.
Alguém está sempre
Prestes a cair, a tombar
Num asfalto em chamas
Após um dia tórrido, hórrido,
Repletos de cacos desesperados,
De homens já no bagaço
Na volta para casa.

O desespero de vidas vazias,
O alarido das discussões
Ao telefone, a verborragia
Muda em frente ao pc,
As caras não se transmudam
Iluminadas por tantas luzes?
O corpo quer transigir,
Mas só encontra o que secreta.

O desespero, os morteiros,
O corpo é pequeno demais,
Mas teima em sentir,
Para logo calar, e como cala
Todo um país em chamas,
O que desejou tanto sentir,
Porque agora só há a profusão,
Profissão e tecnicismo.

Olha as cartas, os e-mails,
Uns queimamos, outros
Apagamos com um simples
Toque, tudo tão fácil
Como lavar as mãos
Antes da refeição,
Como lavrar a vida
Repartida e burocrática.

Onde foi que nos perdemos?
O desespero de vidas vazias
Com água encanada,
Com carro na garagem,
Com bate-papo na internet,
Com tv a cabo e comprimidos,
Num labirinto secular
De programas e utensílios.

Toda a ameaça para fora
Dos muros da cidade,
Mas não há muros!
Para fora dos portões,
Que hoje são só um monumento.
Para fora de nós mesmos,
Mas não há mais nenhuma alcatéia
E é narciso quem nos mata.

Se alguns atiram e matam,
Nós calamos, os olhos
Se fecham para o sono dos justos,
Mas todos delinqüimos
E acusam-nos disso padres e profetas.
Ainda há beleza em salvar-se
Num mundo sem salvação?
Ainda há beleza? Deleite?

O desespero, e ele é mudo!
As fábricas funcionam, regulares,
Como os maridos em suas camas.
Os prostíbulos apinhados
Funcionam regulares
Como as missas nos altares.
A tarde se oferece sangüínea,
Venenosa e sem alarde...

O desespero, e ele é mudo!
Fauces abertas sobre todos,
A verdade nos calcina!
E a mentira chega lívida em aspirinas.
As hipóteses trêmulas naufragam
Sob o peso incomensurável do silêncio
E da inorgânica acidez da chuva
Desabando intransigente sobre a terra.

O desespero, e ele é mudo!
O destino das mãos se conflagra.
Na esteira das cifras
Os olhos se cifram diante
De apólices, títulos e debêntures
E o resto do corpo não decifra
O que em si segue inominado,
Inominável sob o peso do mercado.

O desespero de que tudo já foi
E não há nada mais a dizer.
O desespero de que não aprendemos,
Que desaprendemos e que queima
Inutilmente em nosso peito
Toda a biblioteca de Alexandria.
O ancião morto me disse:
“Os homens se matam feito percevejos.”

Mas eu calei, mas eu sangrei
Vendo aquela flor de asfalto
Irrompendo-me os nervos e os versos.
O desespero me silenciou,
Depurou-me o próprio silêncio,
Enquanto meu filho vai nascer
Nesta cidade de bruxas e elefantes,
O filho, o filho que vou ter, infante...

O desespero, e ele é mudo!
Tantas vozes e nenhuma
É nossa, a cidade nos abafa
Com alarido e promessa de prazer.
E sob dióxida atmosfera,
Nos quedamos sem saber
Que toda a estrutura provém
Da agonia dos céus de outrora.

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